domingo, 1 de junho de 2014

Armário Antropomórfico - Dali, 1936


Por Angelo Gaiarsa

Segundo o autor, este quadro ilustra alguma coisa da Psicanálise, este buscar interminável nos... escaninhos interiores (escaninhos é igual a gaveta).

O próprio olhar para dentro está na figura. Mas ai já começa a derrapada - por fora da qual - como vamos mostrar - o quadro foi muito além da intenção consciente do pintor.

Começa pelo olhar para o peito - para o interior do peito - que é de onde nascem as palavras e onde residem os sentimentos. Mas isso já não é mais Psicanálise, por que o homem freudiano NÃO tem peito.

Ao respirar sentimos na pele - que se estira - os movimentos dos arcos costais, como se eles fossem muitas gavetas que se abrem. Muitas, porém, e não apenas os cinco níveis da figura. A última sensação respiratória - a mais inferior - é a maior; é o abdômen que avança (é a gaveta que se abre) quando o diafragma desce. 

Na figura, além de poucas gavetas, vemos que a maior é a mais alta (deveria ser a mais baixa). Peito que ao respirar se abre muito para a frente e para cima: orgulho - controle (da respiração/sentimentos). Todo um peito que não se abre fácil  - e que se fecha fácil - como gaveta - quando tem fechadura (só a mais inferior tem!). 

No segundo nível, as gavetas se dividem em duas, em função das regiões mamárias, que reúnem as sensações respiratórias de um modo peculiar, em função da sensibilidade destas mesmas regiões. 

Respiração bem mais ampla em cima, área também do medo. Quando levamos um susto além de arregalar os olhos, nós puxamos o peito para cima e aí o imobilizamos.

Confirmando: a mão parece afastar alguma coisa, na certa o pequeno quadro ao alto e à direita, com nítido cunho de recordação infantil (no quadro definitivo, pintado a óleo). Lá se vê mãe e filho andando na grande cidade com trajes dos primórdios do século.

Mas, há algo de estranho, se se consideram os dois gestos da figura, o de olhar para dentro e o de afastar da recordação - em busca da qual, supõe-se, a mulher está, ao olhar para os escaninhos interiores... Resistência, claro.

Mas há explicação melhor: no peito não há memória nem imaginação; há afetos - e vida. Mas se o peito abre e fecha como gaveta, então vou sentir o que eu quero - não o que eu sinto. A respiração fabricada fabrica o sentimento. Enfim, alma vem do hebreu, anim, hálito, sopro (respiração portanto), e espirito em latim, significa vento (respiração portanto).

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