segunda-feira, 1 de julho de 2013

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Quando nos iremos, ah quando iremos de aqui?
Quando, do meio destes amigos que não conheço,
do meio destas maneiras de compreender que não compreendo,
Do meio destas vontades involuntariamente
Tão contrárias a minha, tão contrária a mim?!

Ah, navio que partes, que tens por fim partir,
Navios com qualquer coisa com que nos afastemos,
Navio de qualquer modo deixando atrás esta costa,
esta, a sempre esta costa, esta sempre esta gente,
Só a válida à emoção através da saudade futura,
Da saudade, esquecimento que se lembra,
da saudade, engano que se deslembra da realidade,
da saudade, remota sensação do incerto
Vago misterioso antepassado que fomos,
Renovação da vida antenatal, [...]
Absurdamente surgindo, estática e constelada
Do vácuo dinâmico do mundo.

Que eu sou daqueles que sofrem sem sofrimento,
Que tem realidade na alma,
Que não são mitos, são a realidade
Que não têm alegria do corpo ou da alma, daqueles
Que vivem pedindo esmola com a vontade de perdê-la...

Eu quero partir, como quem exemplarmente parte.
Para que hei-de estar onde estou se é só onde estou?
Para que hei-de ser eu sempre eu se eu não posso ser quem sou.

Mas isto tudo é como uma realidade longínqua
Daqueles que não partiram ou daqueles
Cujo lar é nenhum e de memória
Quando, navio naufragado, deixaremos o lar que não temos?

Navio, navio, vem!
Ó lugre, corveta, barca, vapor de carga, paquete,
Navio carvoeiro, veleiro de mastro, carregado de madeira,
Navio de passageiros de todas as nações diversas,
Navio de todos os navios,
Navio possibilidade de ir em todos navios
Indefinidamente, incoerentemente,
À busca de nada, à busca de não buscar,
À busca só de partir,
À busca só de não ser
A primeira morte possível ainda em vida -
O afastamento, a distância, a separar-nos de nós.

Por que é sempre de nós que nos separamos quando nos separamos ou quando deixamos alguém,
É sempre de nós que partimos quando deixamos a costa,
A casa, o campo, a margem, a gare, ou o cais.
Tudo que vimos é nós, vivemos só nós o mundo.
Não temos senão nós dentro e fora de nós,
Não temos nada, não temos nada, não temos nada...
Só a sombra fugaz no chão da caverna no depósito de almas,
Só a brisa breve feita pela passagem da consciência,
Só a gota de água na folha seca, inútil orvalho,
Só a roda multicolor girando branca aos olhos
DO fantasma inteiro que somos,
Lágrima das pálpebras descidas
Do olhar velado divino.

Navio, quem quer que seja, não quero ser seu! Afasta-me
A remo ou vela ou máquina, afasta-me de mim!
Vá. Veja eu o abismo abrir-se entre mim e a costa,
O rio entre mim e a margem,
O mar entre mim e o cais,
A morte, a morte, a morte, entre mim e a vida!

(Fernando Pessoa)
28/10/1924

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Breve resumo de um Jovem de 8 anos.

VICTOR RAFAEL SILVA SANTOS
RESUMO – Do texto: "E agora?" do Livro Homens de Cinza - Gabriel Chalita*

“Eu apanhe tanto, pai, só por que você tinha medo, de algum trejeitos meu. Você tinha medo de que eu não gostasse de mulher, que fosse maricas.  Você me chamou de viadinho.”**

Sobre um menino que fala sobre o pai, este pai batia na mãe e a mãe morreu, depois ele ficou grande e ficou respondendo o pai e brigando com ele. Ele brigava como pai por que o pai matou a mãe. O pai matou a mãe de tanto ela apanhar.





 *A estruturação foi com minha ajuda, mas o texto é essencialmente dele.
 **A parte em itálico foi a parte que mais lhe afetou. 




  

Ah, os loucos...

"Confiar o louco aos marinheiros é com certeza evitar que ele ficasse vagando indefinidamente entre os muros da cidade, é ter a certeza de que ele irá para longe, é tornar-lo prisioneiro de sua própria partida. Mas a isso a água acrescenta a massa obscura de seus próprios valores: Ela leva embora, mas faz mais que isso, ela purifica. Além do mais, a navegação entrega ao homem à incerteza da sorte: nela, cada um é confiado a seu próprio destino, todo embarque é, potencialmente, o ultimo.  É para outro mundo que parte o louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca."

A História da Loucura - Michel Foucault

domingo, 9 de junho de 2013

Minha Vida Sem Mim - My Life Without Me

Esta resenha sucedesse a partir de uma perspectiva fenomenológica onde estrutura-se o texto presente num movimento que descreve os aspectos a partir dos conceitos que a fenomenologia nos traz principalmente nas maneiras de ser e estar no mundo. Tentei destrinchar os conceitos para brincar com eles e apresnetar de uma forma bem interessante, julgo eu, fazendo uma análise de um filme que guardo muitos afetos a respeito, sendo ele o: Minha Vida Sem Mim da Isabel Coixet. Espero que apreciem a leitura!


Ser-no-mundo: O ser no mundo compreende no que faz a pessoa sentir-se viva, isto é, é o mundo o qual ela nasce e cresce, ama e odeia, vive e como tratado no filme: morre. É comum vermos ao desenrolar do filme ela comentando sobre o seu apreço ao frio e a chuva, o quanto aquilo a faz sentir-se viva são esses os acontecimentos diários que a fazem perceber e vivenciar o quanto ela está implicada no mundo. Acredito que isso é uma percepção importante da Ann para a sua tomada de atitude para com o que lhe está por vir. Porém podemos encontrar a (des)sintonia também nessas atitudes, isto é, ela tinha essa atitudes apenas nessas situações. É necessário vivenciarmos isto a todo instante pois essas nossas experiências é quem no implica esta nossa identidade.
“A ideia fundamento do meu pensamento é precisamente que a evidência do ser precisa do homem e que, vice-versa, o homem só é homem na medida em que está dentro da evidência do ser” (Heidegger, 1974, p. 25, em entrevista com Weiss apud. Forghieri, Yolanda C.)
É disso que estamos falando, a existência de Ann inicialmente deixa ser levada por sua rotina, não há uma evidência do ser, ela não está totalmente sintonizada com as suas situações seu corpo foi tomado argumentos messiânicos e a imposição de um modelo cartesiano de corpo fazendo-a assim transformando em máquina, contrariando ao pensamento; tal evidência ocorre nesses gatilhos, que grosso modo poderíamos dizer que seriam seus gatilhos para a tomada de consciência se seus conflitos internos.
A partir daqui há um cindido, temos duas Ann apresentadas no filme. A primeira, pouco interessante, vivendo uma vida americana nata entupida de valores morais que a deixa mecanizada e após o despertar do sonho, sua vida evidenciada no ser. Como já dito a primeira é pouco interessante visto pelos vários exemplos que vemos no dia-a-dia para tanto, basta ligarmos ao menos a TV. Sobre essa segunda Ann, primeiramente conversaremos sobre seu “Mundo”, compreendemos este fenomenologicamente como o conjunto de relações que sãos significativas e dentro do qual a pessoa existe, porém este, embora seja evidenciado como uma totalidade, seguiremos o exemplo de nossa autora de referência e dividiremos em três partes: o circundante, o humano e o próprio.

1.    Mundo Circundante – Seria este, o que a pessoa relaciona-se com o ambiente em que vivencia. Este abrange, no exemplo da Ann, o seu trailer que é sua casa, a universidade onde trabalha, o trabalho da mãe... Enfim, todos os lugares que para ela tem uma intencionalidade direcionada com uma maior energia psíquica. Isto é, por exemplo, de acordo com o que é mostrado no filme, podemos perceber que o maracanã, aqui no Brasil, não faz parte do seu mundo circundante, já que este não recobre sua consciência a nenhum instante logo, não há nenhum relacionamento entre os dois.

“Na vivência imediata iirrelfexiva nada subsiste do fato de que necessito de olhos para ver... simplesmente aparecem-me coisas que estão ai...” (Berg, van den, 1972, p. 126)

E tem significação para Ann, por este motivo o nosso exemplo não faz parte do mundo circundante da Ann. No mundo circundante dele faz parte também, o corpo, o que por uma longa parte do filme é altamente tratado. Sabendo-se que Ann tinha um tumor que se iniciava em seus dois ovários e avançava ferozmente por todo o resto do corpo, vê-se todo o sofrimento psíquico que é causado por conta do mesmo, o seu mundo circundante por vezes grita, isto é, vê-se algumas vezes ela passando mal, ou até mesmo desmaiando por conta desse seu mundo circundante que é dramatizado pelo estender-se do filme.

2.    Humano -  Este é aquele que diz a respeito do encontro e a convivência das pessoas e com os seus semelhante, tal como nos diz a Forghieri. A Autora nos diz também que as relações do homem é necessário para sua existência já que o outro tem grande importância e influência no meu processo de vir a ser. O Existir é fundamentalmente ser-com o outro.  
“Mesmo o estar só é ser-com, no mundo. Somente ‘num’ ser-com e ‘para’ um ser-com é que o outro pode faltar. O estar só é um modo deficiente de ser-com” (Heidegger, 1988, p. 172.)  
Essas relações são bem vividas para Ann, já que a mesma vive em função das filhas e de certa forma até mesmo para Don, seu marido. O seu ser-com é firmemente estabelecido principalmente depois da noticia da morte já que a mesma em evidencia com o ser passa a moldar-se a esta nova experiência que é ‘morrer’ para o não sofrimento das filhas.  E são essas relações que fazem dela quem ela é, ora, já que estas relações sãos as que definem quem ela é como humana.

3.    Próprio – Seu mundo próprio com certeza é o mais sofrido, já que é onde vemos toda a dramatização do filme, toda a parte pedante provém de sua relação consigo mesma, durante todo o arrastar do filme a significação que ela dá para aquela experiência é quem nos faz imaginar uma mãe preocupada, uma mãe atenciosa, amável, e antes de tudo uma adolescente crescida que procura a todo instante viver o turbilhão de experiência necessário para a formação de sua personalidade num período tão curto de tempo, já que a mesma julga importante para a constituição de sua maneira de estar em seus últimos dias no mundo circundante.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Homem metrum

ESCRITA DESTERRITORIALIZANTE

)).)0. Uma sociedade absorvida por ideias cientificas onde o ser humano só pode ser compreendido através de métodos, quando não técnicas meia-boca, sendo expressadas por dados estatísticos, métodos métricos e operacionais. O Homem metrum. 

O Homem moderno significado por tudo quanto é lado. Territorializado. Cansado. Sofrido. Mas segundo a )09)0> 0 propaganda da margarina mais gostosa somos felizes.

Quem tem tempo para se apegar aos desvios da vida? Saborear as fantasia... gritar, chorar, vivir. Não! Tenho que entregar trabalhos, publicar, persuadir, trabalhar, produzir, encarar, estar bem, estar zen. CAOS.

Convite ao Encontro


Mais importante do que a ciência é o seu resultado,
Uma resposta provoca uma centena de perguntas.
Mais importante do que a poesia é o seu resultado,
Um poema invoca uma centena de atos heróicos.
Mais importante do que o reconhecimento é o seu resultado,
O resultado é dor e culpa.
Mais importante do que a procriação é a criança.
Mais importante do que a evolução da criação é a evolução do criador.
Em lugar de passos imperativos, o imperador.
Em lugar de passos criativos, o criador.
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos
e colocá-los-ei no lugar dos meus;
E arrancarei meus olhos
para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu ver-me-às com os meus.
Assim, até a coisa comum serve o silêncio
E nosso encontro permanece a meta sem cadeias:
O Iugar indeterminado, num tempo indeterminado,
A palavra indeterminada para o Homem indeterminado.

Por Jacob Levy Moreno

Publicado em Viena, 1914.

sábado, 1 de junho de 2013

Fantasia e Tele

Ora,

Meus caros, o que fazer com um relacionamento que fundamenta-se apenas na fantasia? E Quando nos falta  uma capacidade télica? Bom, primeiramente posso dizer, que todos os nossos relacionamentos hoje fundamenta-se na fantasia. O que torna triste, o contato humano. (Para os militantes, apenas minhas desculpas, mas é verdade) A fantasia é armada a partir do momento que você diz para si mesmo: "Eu preciso conhecer alguém!" (seja para qual for o fim). Suportar o outro é necessário, caso contrário estaríamos a margem do social (o maior pesadelo de um homem, principalmente do século XXI, não excluindo, claro, as mulheres), para bem isso acontecer, fantasiamos o outro, o próximo, como um ser dotado de "consciência plena de mim" onde o outro tudo concorda, tudo completa aquilo que penso, que sinto, que gosto, que não gosto. Que terrível e angustiante deve ser, descobrir o contrário, o verso, o inverso, a curva, a borda, o não-todo. Pode-se dizer então, que somos masoquista? Sim. Com todo gosto. Deveríamos enfim, exercitar a nossa capacidade télica, esta assim definida como a capacidade de perceber o outro de forma objetiva. Estar sintonizado dentro da relação, e abraçar o outro com quem o é! Compreender o outro, e a si mesmo numa mão dupla, ocorrendo uma atualização constante dos dois lados.


Boca de Divã

E quando não sabem separar o relacionamento existente entre um amigo e um terapeuta? 
Quando, ainda mais, não se tem terapeuta, mas necessitando assim, confunde a todos em sua volta como a cada instante todo mundo tem que ouvir algo sobre o  "seu papai e sua mamãe"?

Ainda pôs-se a reclamar, por ser intenso em demasia, por se entregar demais as situações. 

Há quem diga, que seja um dom, se entregar profundamente as paixões da vida, mas todo esse esquema que temos hoje, uma boca de divã seria tremendamente masoquismo. 

Tal como nos diz Nietzsche, deve-se propor o corpo e a consciência no mesmo estado, saber ser o que se é, o que nós somos mesmo enquanto dura o inverno.  

Boca de divã seria este ou aquele, que fala em demasia, assim que entra em contato com aguá quente. Não espera, nem se "amornecer" por completo. Falta ainda, muito instinto de autoconservação. Fantasias há em excesso.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Tempo de Despertar (1990) Awakenings


Em Bronx, grande Nova Iorque em 1969, algo desperta. Vemos logo que o titulo do filme é bastante sugestivo, no verão do referido ano manifestações dramáticas, e acima de tudo, conscientes surgiu naquele ano, em pacientes pós-encefaliticos.
Anteriormente, era normalmente chamadas de estátuas, estátuas estas que eram submetidas a tratamentos animalescos, deixando a vista a pouca ou nenhuma importância que os pacientes com doenças, sobretudo, crônicas recebiam, tanto os pacientes como os próprios empregados do recinto, até mesmo nos primeiros dez minutos de filme vemos grades por todo o hospital, infelizmente não só por questões de segurança.

Dr. Malcolm Sayer, representado no filme por Robin Williams, neurologista recém-formado e com um gosto por pesquisa cientificas aparece neste contexto, despreparado, sem esperar muita coisa, porém despertar algo em seus colegas de trabalho, mães dos internados e posteriormente até mesmo nós próprios internados. Ao começar a trabalhar efetivamente no hospital, Dr. Sayer se encontra com vários desses pacientes em estado catatônicos e tentando assim procurar algumas similitudes entre eles. Primeiramente surge a pergunta inicial “eles realmente estão completamente catatônicos?” A primeira descoberta diz que não, por mais que ainda seja uma simples hipótese: “A vontade da bola” ainda é algo exterior, e que eles reagem a ela.
Em meio a pesquisas, como de costume e bom grado do Dr. Sayer ele descobre uma droga que está em estado experimental e que normalmente é usada para pessoas com diagnóstico de Mal de Parkinson a L-DOPA, essa droga promete sensibilizar e relaxar uma pessoa que tem Mal de Parkinson a fim de lhe dar uma vida mais “normal”. O Mal de Parkinson é descrito como movimentos progressivos devida a uma disfunção dos neurônios secretores de dopamina nos gânglios da base, a hipótese do Dr. Sayer era justamente essa progressão ao extremo, causando assim, uma paralisação do individuo.

Após muita luta contra os “patronos”, leia-se, investidores e com o consentimento do familiar (refiro-me ao Sr. Lowe), ele consegue enfim aplicar a droga no paciente a espera de um possível resultado. A partir daí vemos um paradigma ético, porém no que confere a psiquiatria é difícil imaginar um outro ramo da atividade humana que suscite maior número de inquietações e dúvidas de ordem ética. Isso ocorre decorre dada à própria natureza do objeto com que trabalha a ciência psiquiátrica, ou seja, a mente humana e suas patologias. Nós como dotados de razão conferimos uma “liberdade”, e o que fazemos com um outro, qual consideramos “sem razão”? Há muito o que se discutir ainda a respeito do que confere a competência ética da psiquiatria, no filme há a integridade do homem e a possível cura e avanço da ciência. Kant desde muito tempo discutiu sobre a integridade ética na ciência, ele dizia esta ser a ferramenta principal e imune de exigências morais.  Rodeada de termos vagos e abstratos vemos que até mesmo para a própria medicina o termo “ética” é considerado como algo genérico, e está dividida pela o que as pessoas acreditam que seguem e o que “bom” e “ruim”. Não pretendo me estender mais.

O filme acaba com mais um insucesso cientifico mas com forte calor no coração tanto dos envolvidos como do espectador. Tais reflexões como esta, dada pelo filme, torna-se pertinente para reconhecermos como é falha e pragmática a ética médica, quando se refere a pesquisa em seres humanos, tal como a (dês)humanização constante em hospitais psiquiátricos. Um lugar onde se propõe curar e estabilizar as doenças mentais pratica-se a reprodução de uma violências constante e muda.

domingo, 12 de maio de 2013

Eterno Retorno


Estamos sempre presos a um número limitado de fatos, fatos estes que se repetiram no passado, ocorrem no presente e se repetirão no futuro, como por exemplo, guerras, epidemias, etc.

Com o Eterno Retorno Nietzsche questiona a ordem das coisas. Indica um mundo não feito de polos opostos e inconciliáveis, mas de faces complementares de uma mesma múltipla, mas única—realidade.

 (A imagem representa o Ouroboros, que é um simbolo metafisico que representa  o infinito muito utilizado na alquimia.) 



&241& "E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!”“. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?" - A Gaia Ciência

&56& "Aquele que, movido como eu por uma espécie de desejo enigmático, se esforçou por muito tempo em meditar o pessimismo em suas profundezas, em livrar o mesmo da estreiteza e da tolice meio cristãs, meio germânicas, com as quais se apresentou finalmente durante este século, isto é, sob forma de filosofia de Schopenhauer, aquele que considerou realmente uma vez, sob todos os aspectos, com olhos asiáticos e super asiáticos com o pensamento mais negativo que já houve no mundo - essa negação do universo para além do bem e do mal e não mais, como Buda e Schopenhauer, sob o encanto e a ilusão da mora _ esse talvez abriu os olhos sem querer precisamente para o ideal contrário, para o ideal do homem mais impetuoso, mais vivo, mais afirmador que haja no mundo, o homem que não aprendeu somente a acomodar-se com o que foi e com o que é, mas que quer também que o mesmo estado das coisas continue, tal como foi e tal como é, e isso por toda a eternidade, gritando sem cessar "bis", não só para si, mas pela peça inteira, por todos o espetáculo e o torna necessário, por que tem sempre necessidade de si mesmo e porque se torna necessário. - Como isso não seria "Circulus vitiosus deus"? - Além do Bem e do Mal
Gilles Deleuze argumenta que o único mesmo que retorna é o próprio retornar, ou seja, o eterno retorno é o ser de todo o devir e aquilo que é selecionado pelo retorno é apenas o que é capaz de afirmar sua diferença. Para ele, a diferença é a potência primeira, constituída no acaso do encontro entre duas ou mais forças como diferença intensiva, determinando uma tipologia de forças ativas e reativas, vontade afirmativa e niilista. Não existem, assim, identidades previamente estabelecidas, cada retorno é um novo lance de dados que pressupõe o esfacelamento da identidade, a dissolução de todo sujeito. O retornar é a criação do novo a partir das diferenças que vão ao limite de sua potência, verdadeira força de metamorfose que expulsa de seu movimento toda identidade. 
Nietzsche nos dá o Eterno Retorno como uma saída, que consiste em buscar a criação na destruição; só nessa complementação que podemos transcender e reafirmar a vida em detrimento dos valores que envenenaram a humanidade e negaram a vida, sobretudo, aqueles simbolizados na cruz.



domingo, 5 de maio de 2013

Como anda a moral em nossos dias?


Levy-Bruhl, há quase 74 anos atrás escrevia que uma consequência sobre a reflexão científica sobre a moral levaria concomitantemente há um "ceticismo moral". Será?

Um primeiro medo: a morte da moral por "contaminação" cientifica. Tais medos foram anunciados há quase um século.  Depois de 100 anos de ciência moral, com Piaget e vários outros estudiosos, como estamos? Ela morreu, enfraqueceu-se, modificou-se? 

Eis realmente uma pergunta difícil de ser respondida! Há, sem dúvida uma certa ideia de crise moral no ar, uma certa insatisfação, uma preocupação expressa de várias formas. A barbárie da guerra permanece em lugares que pareciam ser razoavelmente "civilizados", como a ex-Iugoslávia. A televisão banalizou o horripilante espetáculo da miséria e da morte: "O horror", escreveu Edgard Morin, "milita a favor da indiferença e o crescimento da indiferença cria um campo livre para o horror num circuito fatal onde ambos se realimentam". Ideologias nazistas e fascistas, que, acreditava-se, estavam enterradas, ressurgem em países do Primeiro Mundo. O individualismo burguês infantilizou-se pelo narcisismo, levando ao descaso generalizado pelo espaço público, à apatia nas questões políticas, ao desprezo pelos deveres da cidadania, etc. Até a Igreja Católica manifesta sua preocupação através de sua encíclica Veratis Splendor (de 1993), quase inteiramente dedicada ao resgate da moral cristã, “ameaçada por uma verdadeira crise”, como escreve João Paulo II. Enfim, há um mal-estar inegável, pelo menos entre aquele minimamente atentos à evolução das relações sociais.

Podemos nos perguntar, todavia, se aquilo \ que assistimos hoje é realmente novo. Barbárie, sempre houve; indiferença e descaso com relação aos sofrimento alheios, também; autoritarismo, racismo, fanatismos e outros ismos também sempre existiram. Nem mesmo a lei individualista de “levar vantagem em tudo” é nova. Se puder servir de consolo, leiam-se os conselho que, no século passado, Balzac colocou na boca de sua personagem Vautrin (no romance Le Père Goriot): “A honestidade não serve para nada(...) a vida é assim; é como na cozinha, fede tanto quanto, e é preciso sujar as mãos para regalar-se (...) Saiba evitar os apuros: aí está toda a moral de nossa época (...) sempre foi assim. Os moralistas não poderão mudar coisa alguma (...) O homem é imperfeito.”



Foi a barbárie que regenerou muitas civilizações moribundas – Meffesoli, M. Le temps dês tribus, op. cit.